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Mostrando postagens de junho, 2018
Depois de uma experiência tão estranha, a reencontrei na José do Patrocínio. Era dia, de semana, horário de almoço. Esperava o confuso sinal da República abrir para atravessar, e olhei pro lado. Ela estava a poucos passos, conversando com um homem de camisa abotoada, calça social e sapato preto lustroso, com um crachá no peito. Ela me olhou nos olhos, e me senti envergonhada e invadida. Virei a face e mirei o sinal, estava verde para pedestres. Caminhei tão rápido que não percebi que chegara na estação mercado. Tão rápido. Queria fugir dali. Fugir daquela lembrança. Fugir daquela solidão devastadora que senti depois que transamos. Nunca havia me sentido tão só. Foi uma solidão estranha e estúpida, que me inundou por alguns dias ainda. Desci as escadas do metro, indo de encontro as pessoas que desembarcavam. O mar de gente. Outro rosto conhecido estava lá, olhando para cima (fingindo deliberadamente não me ver?) enquanto a multidão passava fervendo entre nós. Que nós? Corri, e notei qu
Existe coisa mais patética que escrever sobre o ato de escrever? Me peguei pensando nisso por esses dias em que tantas frases 'profundas' rodeavam meu cérebro e não anotei nenhuma delas, não as continuei. Não seria preciso um estudo profundo de gramática, sintaxe, semântica ou qualquer outro nome bonito para a 'ciência' de encaixotar as palavras? Quem tem a prerrogativa de dizer onde se coloca a partícula apassivadora, que todas as proparoxítonas são acentuadas? Todos os versinhos bonitos e ridículos deixei escapar. Pensava: faz tempo que não escrevo nada. E quando quero escrever minhas pequenas imbecilidades eu anoto, com lápis, geralmente em papeis avulsos. É estranho. Carrego muitos papéis, tenho algum tipo de fetiche em impressões. Tenho medo do computador e de suas artimanhas, pois sei que os computadores são janelas por onde adentram estranhos distantes em nossas vidas, estranhos esses que consigo fazer andar pra longe com meu ar deliberado de desprezo quando não
Corpos gemem no espaço vazio das ruas. Escuro de ensurdecer. Ônibus que passam trancafiando pássaros em seus fones de ouvido. Das janelas dos apartamentos se vê as ruas parcamente sinalizadas, com suas setas desbotadas no asfalto rachado. Três, duas, uma hora. Tudo escuro, sem boemia, sem bar, sem flerte. Só as carreiras farinhentas, finas, compridas. Os narizes rápidos quase se atrapalham entre cheirar e soprar. Inalam. Tudo que há no prato quente. E o que virá depois de ranger os dentes? Estampidos de tiros cortam o ar das lombas. Disparos para o alto. Assustam os encarceirados domiciliares. Ele continuava nojento como em minhas lembranças escolares. Botava suas mãos pequenas e geladas em nossas coxas quentes. Cabelo barbado curto. Nós envelhecemos esperando coerência no passado. O presente grita. Vai descer. Todos esses olhos bocas rugas dedos não condizem com nossa infância. O asco permanece através do tempo. Ele se põe na porta, a conversar com uma garota. É minha parada. Ele e
A gente vai caindo assim, de mansinho na resposta fácil: é por estar só. Se está mal, é por estar só. Se está doendo, é por estar só. Se não faz bem, é por estar só. Se usa drogas, é por estar só. Mas que bosta.  Que refugio maravilhoso deve ser a obrigação de estar acompanhada para ter um depósito primário para sua própria culpa. A gente vai caindo assim, de mansinho na resposta fácil:é por causa da outra. Se está mal, é por causa da outra. Se está doendo, é por causa da outra. Se não faz bem, é por causa da outra. Se usa drogas, é por causa da outra. Mas que bosta. Que refugio maravilhoso deve ser a obrigação de estar só para ter um depósito primário para a culpa alheia. A gente vai caindo assim, de mansinho na resposta fácil: é pela fragmentada pós modernidade. Não podemos estar mal. Não podemos estar bem. A gente vai caindo assim, de mansinho na resposta fácil: estou bem. Se está bem, é por estar bem. Se está doendo, é por estar bem. Se não faz bem, é por estar bem. Se usa droga
Terminei a leitura do quarto livro de Lya Luft. O primeiro, meu e dela, lera por indicação de um amigo. As parceiras. Tens que ler esse livro, vais te identificar. Comentei com a colega da mesa ao lado, adorei esse livro, adorei essa autora. Alguns dias depois me trouxera de sua estante particular mais três: A asa esquerda do anjo, reunião de família e o quarto fechado. Nenhum me afetou tanto quanto as parceiras. Me senti profundamente tocada, nem tanto pelos dramas familiares, mas pela incompletude das personagens, por seu alheamento desesperado pelo outro, por seus medos. Um pouco tocada também pelos rabiscos de lápis em alguns parágrafos: acompanhavam Lya Luft algumas palavras chaves postas pela leitora. Identidade, culpa, hipocrisia, medo de, medo da sexualidade. Fazia tempo que não encontrava um reconhecimento no que lia, tão absorvida pelas leituras da faculdade. Páginas e páginas de desespero que os professores nos empurram goela abaixo na esperança de que nossos débeis e alcool