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Qual é o valor de uma palavra?
Ontem e anteontem e anteanteontem eu pensei de novo em me matar. Revisitei  todas as ideações e planos, possibilidades e métodos. Um a um. Plantei fundo no meu cérebro agudo toda a vontade. Como num sonho me transportei para aquela passarela, por onde passam os caminhões carregados de material inerte. Rodam voando de tão rápidos. Imaginei qual seria o cálculo que me indicaria a tensão e a grossura certas da corda de enforcamento. Não achei seguro um pulo: algum motorista muito cristão iria parar, iria socorrer, iria dizer que a vida vale a pena e eu, tão nova pra morrer, ainda sem filhos, ainda sem marido, ainda tão nova que iria me arrepender e ver como a boa vida vale a pena de ser vivida. E as cordas. Se arrebentassem? Se o nó se desfizesse? Se o meu peso já diminuto não fosse o suficiente para quebrar o meu pescoço e ali ficasse eu, estrebuchando na passarela, sendo vista pelos escolares e pelos trabalhadores. Muitos riscos. Deveria ser algo tão certeiro que não houvesse tempo nem

Para ler ouvindo Liniker e os Caramelows

Mas e o medo? Bom, tá lá né. Mas tá em silêncio. Silêncio? Sim. Bem, primeiro foi silêncio. Mas daí me veio uma melodia na cabeça e não aguentei: tive que botar pra tocar. Qual? Você fez merda, do Liniker, toda picotada Como assim? Assim ó. Assim ela veio: primeiro a melodia tomou de assalto os braço sabe, depois eu identifiquei ela na minha cabeça, e lembrei da letra e pensei nela, mas não era a letra...era só a melodia. Depois, no segundo pedaço, percebi que aquela melodia tava tremendo a minha carne e fazia eu querer teu corpo. Daí ela gritava que o cara ou a mina ou sei lá eu quem ia implorar e pedir pra ver ela, ia confessar que não consegue viver e ela ia dar um gelo, dizer eu sei eu sei só porquê ela não ouviu um eu te amo depois de foder loucamente. No terceiro pedaço me jogaram fora porra, me jogaram pra longe de mim bixo. Aham Jogada? Tipo pra fora? Sim.Sim! Tava tudo vazio em Porto Alegre, e eu endorfinada de ti. Me senti piegas e tive medo. Mas e o medo também n
Eu quero letras doídas Rasgadas Quero palavras que rasguem Versos que cortem Frases que mutilem Eu quero a intensidade insuportável das palavras que não se dobram à quem escreve Não falo de poesia Falo de dor de letra mesmo Que todos os títulos de notícia machuquem Que todos os nomes de livros esmurrem Que todas as notas de rodapé estraçalhem Que todas as letras furem os tímpanos Que todos os sons enlouqueçam quem os ouvir Que a música corte todas as pontas de nariz Que todos os pichos ceguem com ácido os olhos que os lê Que todos os letreiros de ônibus aniquilem seus passageiros Eu quero as letras doídas no final do dia da nossa existência Quero que elas doam até causar alucinação Desmaiar de dor de palavra Catarse de abecedário Que seja nocaute do alfabetotetaomega Que o leitor seja morto ao ler receitas de bolo Desejo profundamente que nem os leitores de Cortázar sejam poupados Nem os de Garcia Marquez Nem os de Neruda Nem os de Woolf Nem os de Hilst Mu
I. O novo hábito era mais apertado e desconfortável que o anterior e bem mais escuro. O preto envolvia as cabeças baixas, todas as manhãs: após as rezas individuais matinais (onde os pecados noturnos eram confessados e os laços com o marido celeste, Jesus Cristo, eram renovados) seguiam os hábitos mudos para o grande salão, onde as bençãos matinais eram rezadas com subserviência. Os murmurinhos em latim misturavam-se ao roncos indolentes dos estômagos penitentes de todas. - In nomine patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amén.   Introibo ad altare Dei - Não subirá- pensou Octávia- Não subirá nem um palmo acima deste telhado. - Ad Deum qui lætificat juventutem meam. Os roncos, misturados ao latim, tornavam aquela celebração tridentina muito mais longa que o normal. O bispo da região estava visitando o convento e para a grande felicidade (!) das freiras, estava assumindo a celebração matinal. Octávia percebia, como boa macaca velha, que as coisas não estavam na sua ordem natural:
Se não escrevo, é como se eu estivesse morta, disse Linspector. Tão certa e objetiva Mas escrever é sempre um ato difícil De botar o indizível na palavra Pra não morrer sufocada com as coisas que não entendemos Pra exorcizar o que escondemos nas fotos públicas Pra enfrentar, cara a cara, o que fazemos força pra ocultar de nós mesmas Pra conviver de forma honesta com o que enganamos nas mesas de bar É encontrar seus próprios demônios nas palavras e dizer: você me fere, mas eu te aprisiono na ponta do lápis, somos dois idiotas. Por isso todo poeta é, antes de tudo, um bom cachaceiro, um demonologista experiente e um poço de futilidades, fundo e povoado.
"Ninguém se importa" Disse tentando me consolar Quando na real queria dizer Finja não se importar para não se importar sozinha. E continuou se importando, pra dentro de si. Mas eu, aaaa, até minha pele me trai Até o mais exterior de mim queria estar ali naquela catarse maluca Só pisquei o olho, espantando um pensamento fodido, lembrando do meu quarto bagunçado como a minha cabeça e de como eu queria estar naquela confusão familiar. "É, eu também não me importo" e minha pele, arrepiada que chegava a doer, dizia pra minha cuca: mas tu mente mal pra caralho hein...só não mente pra tu, mente, pois se eu me volto contra ti e te começo a mentir, vais perder essa disputa de força. Te deixo confusa e comigo não tem erro! Eu sou a fronteira do sentir, e comigo tu não tem teu tempo maquiavélico pra bolar desculpas esfarrapadas... "Mas tu bebe afu né" "Não, só socialmente" e a pele deu risada, brincando de estocar a faca entre os dedos