Eu quero letras doídas
Rasgadas
Quero palavras que rasguem
Versos que cortem
Frases que mutilem

Eu quero a intensidade insuportável das palavras que não se dobram à quem escreve
Não falo de poesia
Falo de dor de letra mesmo
Que todos os títulos de notícia machuquem
Que todos os nomes de livros esmurrem
Que todas as notas de rodapé estraçalhem
Que todas as letras furem os tímpanos
Que todos os sons enlouqueçam quem os ouvir
Que a música corte todas as pontas de nariz
Que todos os pichos ceguem com ácido os olhos que os lê
Que todos os letreiros de ônibus aniquilem seus passageiros

Eu quero as letras doídas no final do dia da nossa existência
Quero que elas doam até causar alucinação
Desmaiar de dor de palavra
Catarse de abecedário
Que seja nocaute do alfabetotetaomega
Que o leitor seja morto ao ler receitas de bolo

Desejo profundamente que nem os leitores de Cortázar sejam poupados
Nem os de Garcia Marquez
Nem os de Neruda
Nem os de Woolf
Nem os de Hilst
Muito menos as de Rios
Quero que morram todos da morte sofrível de ler
Leiam e morram de palavras que ferem

Mais profundamente ainda desejo que os primeiros massacrados pela revolta dos grafismos sejam os censores
Que os livros censurados se amotinem de madrugada e lhe injetem venenos soviéticos impossíveis de detecção
Que sangrem todas as veias e explodam todos os órgãos na terceira página de leitura, para uma morte insidiosa
Que os lápis de riscar as sentenças pule dos dedos e fure sua jugular
Que todos os roteiros censurados façam uma carnificina antes das sete da manhã
Que sobrem sobre as poças de sangue as insígnias militares, as faixas e as honrarias
Que os livros proibidos saiam travestidos em uniformes, invadam outros batalhões, e matem todos os generais em frente à tropa para servir de exemplo, quando isso acontecer, desejo esperança de sobrevivência aos demais
Só para aumentar sua angustia e dor excruciante quando forem vitimados pela cólera das palavras.




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