Ontem e anteontem e anteanteontem eu pensei de novo em me matar. Revisitei  todas as ideações e planos, possibilidades e métodos. Um a um. Plantei fundo no meu cérebro agudo toda a vontade. Como num sonho me transportei para aquela passarela, por onde passam os caminhões carregados de material inerte. Rodam voando de tão rápidos. Imaginei qual seria o cálculo que me indicaria a tensão e a grossura certas da corda de enforcamento. Não achei seguro um pulo: algum motorista muito cristão iria parar, iria socorrer, iria dizer que a vida vale a pena e eu, tão nova pra morrer, ainda sem filhos, ainda sem marido, ainda tão nova que iria me arrepender e ver como a boa vida vale a pena de ser vivida. E as cordas. Se arrebentassem? Se o nó se desfizesse? Se o meu peso já diminuto não fosse o suficiente para quebrar o meu pescoço e ali ficasse eu, estrebuchando na passarela, sendo vista pelos escolares e pelos trabalhadores. Muitos riscos. Deveria ser algo tão certeiro que não houvesse tempo nem lamento que resolvesse qualquer coisa. Tinha remédios. Ingenuidade minha que qualquer antidepressivo viesse com contraindicação de hiperdosagem: o risco da morte. "Esse remédio não causa a morte". E se o farmacêutico ou técnico responsável só tivesse escrito isso por saber o óbvio? E se fosse verdade? Valeria o risco? Um hospital e uma lavagem estomacal, mais uma. Amigos tristes e preocupados, tia me lembrando como seria oneroso cuidar de uma suicida, o sacrifício, o desgaste, a preocupação e o meu egoísmo, que não consideraria nada disso, pois sou egoísta. Não poderia. Não havia margens, nem brechas de socorro, nem medidas emergenciais que pudessem reverter o quadro.
Não há margens para erro. A morte deve ser rápido, certeira,empoeirada, longe dos olhos daqueles que podem se sentir culpados.

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