Epifania

Deitada naquela pedra fria, ela soube que era a mulher mais solitária do mundo. Desaparecera o som motorizado do Uber. Silenciou. Não levantou. Permaneceu ouvindo seu soluço próximo e os escapamentos, os gritos loucos da noite, a vida que passava atrás das grades. A casa tão bela, espaçosa e opulenta  serviu aos deleites oculares. Em seus cômodos hospedaram-se espalhafatosas e carnavalescas purpurinas roxas. Brilharam teimosamente nas roupas de cama, banheiros plantosos e chãos plantares. Brilharam em seu corpo e no corpo opulento de Nanda. Torcendo talvez o não tão opulento nariz para o trabalho de tirá-las  antes das 7 da manhã. Não apareceria brilhosa no café da manhã de aniversário com a namorada e o filho, especialmente do glitter  alheio. E fora. Após perguntar contatos para as redes antissociais, fora. Após pequenas ansiedades com o desaparecimento da chave, fora. Após sucessivas tentativas de chamar o aplicativo de transporte, fora. Após encontrar-se no corpo de uma desconhecida, fora.  A bebida alcooliza certos pudores. Trancou o portão e foi-se esgueirando pela grade lateral de acesso ao mundo dos fundos, que gira agonisticamente. Fechou-o e na sombra deitou-se. Ouvia os barulhos longínquos da cidade e o silêncio da casa, antes habitada por sons. Ouvia sua respiração arfante. Ouvia um soluço abafado oportunista. Lágrimas inexplicavelmente amargas e repentinas, ressentidas. Deu-se  conta de como é fácil silenciar um ambiente. Deitada naquela pedra fria, ela soube que naquele fátuo instante era a mulher mais solitária do mundo.

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