Viaduto

terra doída rachada ardida
Sob os pés de fissurados calcanhares jaz terra ardida
Solo de pernas deitadas em feridas
acocoradas na merda dobrando a esquina
Não é possível transferir a linha
pra baixo até vai mas jamais pára acima
Os trabalhadores perderam a hora certa de dormir a narina
Sete e meia da manhã pisam na grama minha
terra doída rachada ardida
ardido meu pranto de cimento
recolho em baixo do vento
Pedaços e milhares, pares e pés, atormento
Diminuem o olho pois tem documento
Tem fone de ouvido teto e intento
O doutor não vê o grão dos olhos dos que tão no relento
Chuva pesada inunda a rua transborda excremento
Somos ponto de contato
vergonha de fato
caída no esquecimento
terra doída rachada ardida
rachando e abrindo
escurecendo e engolindo pras entranhas da terra
voltamos ao primórdio quando barro água terra corpo e luz dançavam por um momento
Mas o filhotinho do papai cobriu impiedosamente o cimento de gélida água inverno
Outros tantos anteriores vem, rebento
Há tanto tempo
Encharcando nossas vestes
diluindo
soro veneno e hino
todas as benditas manhãs frias neblinas
Enrijecem congelam esfacelam osso estômago finos
E vão deixando vagas nossas camas públicas
Que gritam malditas
TERRA DOÍDA RACHADA ARDIDA
todas vulgares e curtas
aneladas falanges sujismundas
Se calcinha atolada na bunda
Socadas em tendas
Atentas
Odientas
Estridentes ensandecidas
Histéricas
Esotéricas
Pirotécnicas
Pecado da rua que versa e alimenta os olhos
Deleita no fundo do peito deserto de terra rachada
Não é minha filha!
Não é minha mãe!
Não é minha irmã!
Quando ainda pergunta
terra doída rachada ardida
Ardida dantes
Agora analgesiada a nervura que trava olho em olho e faz misturar
Cada fio de cabelo entrelaçado em novelo
Se põe ao outro escovar.
Abre os olhos, é hora de acordar
A terra seca e surda sob o sol do meio dia todos dias muitos dias
rasgaria-se em estrias e fendas até núcleo do mundo onde tudo ferve
Mas tu, chechelento, com teu vil pavio apertou o dedo, cobriu.
De cimento, água e excremento
Minha terra doída, rachada ardida
canta porra nenhuma!
Todo dia, filha da puta, cedo logo pela manhã!
Não me deixa fazer a barba, embaixo do viaduto
vem passa de cara feia quando olha pra merda no cantinho
TERRA CINZA FODIDA
TERRA CINZA FODIDA
esquece quem o olho não merece.

Só repara olhando com selvageria e sem pensar no pensar mas agir e depois perceber que coragem é estar aqui, todas as manhãs, em todas as situações. Pelas praças viadutos, vielas, ruas, nas voltas de comércio, nas grande metrópoles inchadas de gente e de ódios, nas pequenas concentrações comerciais de bairro, ou nas ruas cobertas, se deus quiser, de cobertas.

E coberto
Não estará mais
o nosso não-silêncio.

Não adianta fingir que não ouve.











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