Será que estava maluca e tudo aquilo não era real? Parte 1
A escrita apreende a sensação indizível.
A escrita torna
suportável o terrível
Terrível o
corriqueiro
Maravilhoso o despercebido
Escrever é escolha
Escolher é
necessário para seguir em frente.
Tínhamos saído da
faculdade e ido até o metrô a pé. Embora meu transporte saia de dentro do
campus, pela companhia e pelos papos sobre política e filosofia, decidi ir até
o metrô e de lá, pegar o ônibus. Chegando próxima a parada, percebi que devido
ao nosso passo lento, a condução das 22:20 h já havia passado: teria de esperar
o próximo, às 23:20 h. Ver meus colegas subirem a passarela e ficar ali sozinha
me apertou o peito, de uma forma peculiar, como se algo fosse acontecer. Bairro
universitário costuma ser violento, ter muitos assaltos e pensar sobre
certamente causava agonia. Esqueço.
Sento no banco da
parada, à beira da rodovia federal 116. Carros e caminhões passam velozmente
deslocando o ar e estremecendo a estrutura de metal. Conjecturo se o ônibus não
atrasara sua saída, se ainda é possível pegá-lo. Reviro atônita os bolsos atrás
de um cigarro. Maravilha! Carteira vazia e meu isqueiro amarelo
provavelmente ficou com algum de meus colegas. Teria de aguentar aquela espera
sem minha sagrada nicotina. Lá longe, no fim escuro da rodovia, via aquele
quadrado metálico mover-se nas sombras, com luzes no alto que indicavam algum
tipo de letreiro. Meu bus! De pé e quase no meio fio, espero
ansiosa pela aproximação da caixa mágica de metal que me levaria para casa. Mas são dois? Tem mais... Vários quadrados idênticos se
movem, chegando perto, percebo que são caminhões com letreiros luminosos,
indicando o nome e contato para a transportadora. Tiro o óculos e o limpo,
a sujeira deve ter feito eu enxergar mal. Sento-me de novo e começo a
pensar no ônibus que perdi. Tremo de frio, estou parcamente vestida e venta
muito na beira da BR. Meu corpo treme inteiro e sento-me encolhida na parada,
talvez reagindo inconscientemente ao frio. Um homem se aproxima de bicicleta,
carrega uma mochila nas costas e tem um semblante pardo e cansado. A
proximidade de sua bicicleta vermelha e a minha solidão na parada me assustam e
meus braços formigam em resposta. O coração vai á boca. Ele passa diante da
parada e me fita os olhos, fundo o suficiente para que me doesse o peito...e
passa reto. Eu preciso ir
embora, não posso ficar aqui!
Uma freada brusca rouba minha atenção:
um carro breca na pista, e meu peito dói com o solavanco que meu coração dá. A
dormência do braço, o tremor de frio e a dor aguda no peito fazem com que eu
perceba que estava infartando.
O movimento de carros se torna intenso
na BR, mas meus olhos estão turvos, como se existisse uma névoa fina que me
privasse de ver os contornos com nitidez. Só enxergo as luzes dos veículos, que
não consigo discernir se são caminhões,
carros ou ônibus. Percebo que posso perder a condução, já que não consigo mais
reconhecer os tipos de veículos, salvo quando estão muito próximos. Os carros
passam a mil, próximos ao ponto, e a cada um que chega perto, sinto o
desgoverno de seu motorista e enxergo todos eles se chocando contra a parada e
me matando. Os trabalhadores do pólo industrial próximo passam de bicicleta, me
olhando, e em cada um deles, prevejo uma arma na casaca e um latrocínio a me
vitimar em potencial. O pavor toma conta de mim e preciso sair correndo deste
lugar. Penso em retornar para a Universidade. Traço em minha cabeça um plano:
volto à Ulbra, passo no hospital universitário para controlar meu infarto
galopante, durmo nos bancos do saguão de algum prédio e vou para casa pela
manhã. Decido agir. Mas como volto para o campus? Tento pensar no trajeto - que
consiste em voltar pelo mesmo caminho pelo qual viera, uma rua reta à 6 minutos
do campus – mas não consigo saber como ir pra lá. Me apavoro. Não sei
voltar! Não sei fazer o caminho de 6 minutos que percorro a 2 anos! Calma...Calma! Retoma o controle e traça uma
rota de onde tu ta até a Ulbra....ONDE EU ESTOU? O pensamento é desolador.
Não sabia onde estava. O peito volta a doer e me curvo no banco da parada,
certa de estar próxima da morte.
Olho a rodovia e tudo parece irreal,
como se estivesse olhando uma tela viva. As formas parecem distantes e com
contornos cálidos, envoltas por uma
bruma que amplia apenas as luzes distantes e flutuantes dos faróis indiscerníveis.
ESTOU INFARTANDO...MINHA MÃE IANSÃ, ME DESCULPE QUALQUER FALHA...ME AUXILIE
NESSE MOMENTO!
Levanto a cabeça tonta e vejo a estação
de trem do outro lado.
PORRA! O DILAN!
Lembro-me de
meu grande amigo que me descrevera um episódio muito similar, dentro do metrô.
Ele me contava da vez que pensou estar tendo um ataque dentro do vagão, a tal
ponto que desceu e ligou para a mãe, técnica em Enfermagem, para pedir-lhe
socorro pois “estava tendo um AVC”. Foi a sua primeira crise de síndrome do
pânico.
Será? Será que estava maluca e tudo
aquilo não era real?
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