Postado no Antigo blog. Data original de Escrita: 15/07/2015
2.Troco o travesseiro com relativa
demora. O cheiro de coriza e lágrima envelhece como ácaros débeis. Fazia muitas
horas que não sentia esse ímpeto para porra nenhuma. Queria apenas ficar no
escuro ouvindo os sons da casa e do bairro. Como os sons mudam. Hoje estava
fechada para o mundo, para o sol, para os outros cômodos. Já contei 40 horas
apenas ouvindo os sons da casa, mas faz tantas horas. Não consigo mais ter
tanto tempo para essa excursão consciente e não administrável.
É simplesmente complicado dormir com as
costas para a parede estando só. Mas estava acompanhada, logo senti a
respiração umedecendo a parede. Usei toda a quase nenhuma cautela para não
balançar as cobertas ou o colchão. BABUM! BABUM! BABUM! Foi em vão. K.
sentando-se na cama me observa imóvel. Não a enxergo, mas sinto seu olhar
fustigante sobre o edredom, verificando minha respiração. Naturalmente, respire
naturalmente. Ela vai ao banheiro e eu porcamente esfrego minha cara no
travesseiro; viro sua face pois adoro fronhas frias. Casulo cada vez mais
fechado enlaçando as pernas com os panos. Barulho da descarga, gira a maçaneta
do quarto, cuidado na ponta dos pés. Por favor não me abrace. K. me abraça.
Preciso tricotar as palavras com ela. Essas coisas não podem mais permanecer coisas.
O escapismo volta sorrateiro batendo à porta e avisa-me “- Vocês precisam
conversar. ” K. tem uma pele quente. Estou enredada em seus braços ágeis que me
queimam.
- Queimam meus olhos.
- Queimam meus
braços.
- Queimam, seus braços me
queimam.
Remexo-me na ânsia de
aliviar a dor nas costas e roço a bunda na pélvis dela. A pele de suas coxas
também queima. Um ardor de queimadura invade a planta dos pés quando K.
(im)põem suas mãos nos vazios entre costelas. Viro o corpo e dou as costas para
a parede. Os seus olhos demoníacos me fitam no escuro. Imagino um diálogo no
breu: “- Querida, sinto o peso do teu olhar me esmagando. Tu és como fogo que
hipnotiza ao crepitar. Eu juro insolentemente que me afastarei. Tu flamejas e
sem me dar conta, estou diante da fogueira com a mão estendida em chamas”. Sei
que nesse ritmo não conversaremos nunca. Eu sei. Eu sei o que vi. Eu sei o que
senti. Eu sei o quanto me absorvi quando absolvi. Não importa. Precisei
absolver. Ter sido egoísta demandou absolvição. eu não sabia, mas essa tal de
absolvição era só uma prisão com flores. É dança que suaviza ao sincronizar. O
passado e o presente se embolam; recordar, re cordis: voltar
a passar pelo coração. Esse quarto escuro me esmaga contra a cama.
Frustração é o nome daquele pássaro que senta na janela quando foder é mais
fácil que falar. O sussurro me escapa da boca e lambe tua orelha. Só queria
gravar nas cicatrizes de queimadura. Era mais que querer, era precisar (ou crer
que precisava sentir para sentir qualquer coisa, mesmo que fosse sentir
suturando o corpo com brasa). Naquele exato momento o qual poderia me
estabelecer, fraquejei precisando. Fui fazendo trilha e me enrosquei
quando não deveria, talvez o único instante que fui egoísta para minha
necessidade. Teus braços não me bastam e tu ardia inteira. É inverno: adorável
o choque térmico do calor de nossas peles em contato com o ar gelado. Isso vai
dar ressaca moral amanhã. Te aperto contra meu tronco. Essa história de
deslizar-se é pura balela. Deslizar-se-tem esse tom plástico. Deslizar-se é
coisa de quem faz amor. Te esfrego com sofreguidão. Não vou te explorar: vou te
invadir (quem explora é bandeirante). Imputo-me uma violência exterior a nós.
Exatamente como quem passa muito tempo sem comer e mastiga poucas vezes no ápice
da fome e engole pedaços enormes mesmo sabendo que vai ter indigestão. Curo a
indigestão engolindo pedaços cada vez maiores de ti. Tu desces goela abaixo
rasgando. Isso vai dar uma baita ressaca moral amanhã. Estou nos teus domínios,
usando meus pés para pisar nas tuas pegadas. Só assim consegui entender o teu
andar. Não mais deixando de falar para lamber. Não mais roçando insistentemente
os corpos quentes. Não mais sentindo os riscos de ar expulsos das tuas mãos
balançantes. Não mais estando diferente no momento comum. Dancei essa merda na
tua companhia, em pé de igualdade. Tua raiva não era o eu que usava as tuas
armas. Tua raiva era me ver com aquele sorriso depravado enquanto te
fodia. Ouvindo os teus estalos já sabia que estarias prestes a estourar.
Faltava algo e tu me alertastes.
– Qual tu quer?
– Hum...tá
ligada aquela do Stooges?
– I wanna be your dog !? É essa?
– Sim, mas na
voz da Joan Jett.
– Tá legal.
Quais outras?
– Só essa. Põe
no repeat...
–Tu tá realmente afim
de ser minha cadela hoje à noite?
– Tu é a única cadela
nesse quarto.
– Tu disfarça
mal pra cacete...
Seria eu psicótica por osmose? Sei lá.
Essa pergunta ainda bate na minha porta de noite:
- Por que era mais fácil foder do que
falar?
Não sei. Não importa. Tu não me
importas. Fique fora da minha porta pois não sei dormir contigo. Tu me
queimaste, e queimou feio. Na ferida ficou essa incerteza, essa dúvida:
- Por que é mais fácil foder do que
falar?
O problema está no falar, e não no foder.
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