Queria ter a genialidade de Pablo Neruda quando confessou seu amor sóbrio por seu cão falecido.

Estou no limiar da frieza e da queimadura: ambas machucam.
Estou no lado de fora de mim: não interiorizo
Estou cambaleando pela rua: podre de sóbria
Estou sempre sozinha com minhas várias: no meio da multidão
Estou caindo, caindo, caindo: nomeio multidão
Irritantemente devagar
Caindo pra fora de mim, pra fora do que devo
Pra dentro apenas do que posso: nada
Pra fora daquilo que quero: tudo

Mas o tudo é uma imagem na água, que o mero pingo faz tremer
Um pingo infantil e pequeno, sem poder de fogo nem de água
Tremula todas as minhas cordas muito esticadas
Esticadas o suficiente pra não fazerem melodia
Não fazerem ritmo, não serem agradáveis aos ouvidos
Minhas cordas estão esticadas, soltando estridências pelo ar

Ninguém as quer ouvir
Ninguém as suporta sem sentir aflição nos dentes

Este é o preço a me pagar, que não fora estipulado por mim.
Não conheço as leis fiscais: sei que livros são isentos de impostos em seu fabrico, mas que lucra-se na sua logística.

Eu não me reajusto conforme a inflação.

Permaneço na prateleira,
E assim que tirar meu nome do Serasa e providenciar um cartão de crédito
Me compro e me tiro da prateleira dessa grocery store bagaceira

Para me ouvir ranger, gritar, na minha profunda sonoridade
As estridências que ninguém suporta ouvir.


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